Mãe de bicho e de gente
No meu aniversário de 18 anos, minha mãe me levou ao shopping para escolher um celular novo, seria meu presente de aniversário. Havia também uma feira de filhotes acontecendo lá e resolvemos dar um pulinho, só por curiosidade, afinal, apesar de gostar e respeitar os animais, não era algo em que eu pensasse tanto.
A feira funcionava como um circuito, você entrava e passava obrigatoriamente por todos os estandes, até a saída. Ao bater o olho na primeira gaiolinha com aqueles filhotinhos tão indefesos já comecei a chorar, acho que pela ignorância de ter vivido tanto tempo achando que as feiras de filhotes eram inofensivas*. Enfim, e a cada estande eu chorava mais e mais – acho que as pessoas me olhavam e pensavam que eu era uma maluca instável – até chegar no penúltimo estande e ver um cercadinho razoavelmente grande, com uma bolinha pretinha toda enroladinha num canto. Fui fazer um carinho naquela coisinha e de repente, a bolinha se desfez em duas! Ahhhh, meu Deus, eram dois cachorrinhos da raça pinscher, irmãozinhos, dormindo beeeem coladinhos um no outro. Olhei pra minha mãe, educadora de profissão e coração, e falei que não queria celular coisa nenhuma, queria levar um filhotinho para casa, ela, transbordando amor, me falou que era ‘psicopedagogicamente incorreto’ escolher um daqueles filhotes e separar os irmãos. Pois bem, passamos pelo veterinário que atestava que os animais estavam saudáveis e aptos a sair da feira e lá fomos nós para casa, com meus dois ‘presentes de aniversário’ o Hugo e o Luis, a R$ 200,00 cada. Hoje sei que não tem preço!
No segundo dia lá em casa, o Huguinho começou a ficar muito mauzinho, corremos para o veterinário, ele ficou internadinho, tomou sorinho direto no ossinho, de tão pequenininho não tinha nem como furar a veia. Por muito pouco não o perdemos, e aí já começamos a perceber o quanto as feiras de filhotes podem ser danosas.
Depois disso, NUNCA MAIS entrei numa feira de venda de animais e nem pretendo, instantaneamente, percebi que já existem animais de rua o suficiente para querer comprar um bichinho e tb instantaneamente, passei a sofrer por ver bichinhos na rua e a resgatar e doar, sempre que possível. E então, depois do Hugo e do Luis, adotamos a Ursa, a Hilda e a Brownie, sendo as 3 vira-latas, ou seja, ficamos com 5 cachorros em casa e a Marcela, uma gatinha mal humorada que chegou depois.
Assim, quando me casei, os bichinhos já tinham entre 6 e 8 anos, não tinha como levá-los comigo, afinal não poderia separá-los e num apartamento não caberiam todos. Eles ficaram na casa da minha mãe, com todos os cuidados e as mordomias de sempre e o meu chamego no finais de semana.
No ano passado, com 10 anos, Luisinho teve glaucoma e ficou cego de um olhinho, precisou fazer um cirurgia para colocação de uma prótese. Eu estava grávida de quase 9 meses e o trouxe para minha casa, para cuidar até que ele estivesse totalmente recuperado, apesar do cansaço, tirei de letra. Logo que ele voltou para a casa dos meus pais, a Maria Antônia nasceu. Este ano, assim que a MA completou 1 aninho, o Luis teve glaucoma no outro olhinho e perdeu totalmente a visão, nova cirurgia e o trouxe aqui para casa de novo para a recuperação, já que os remédios precisam ser aplicados cerca de 20 vezes por dia.
Enfim, preciso equacionar as relações, brincar com a Maria Antônia, preparar e dar a comidinha dela, o banho, levar para pegar um solzinho e também, cuidar do Luis, pingar os colírios, dar comidinha e água, levar para passear, fazer um afago… A M.A. ainda não tem noção de que pode machucá-lo, então tenho que estar sempre de olho, por que se bobear, ela coloca o dedo nos olhinhos, puxa o o rabinho e as patinhas e ele muito bonzinho, só tenta se proteger, jamais atacar.
O amor e a gratidão que recebo do meu cachorrinho são únicos, assim como os sorrisinhos da minha princesa e a satisfação de vê-la aprendendo a conviver com os diferentes.
Mas aí você deve estar se perguntando, o que a história do cachorrinho tem a ver com a maternidade. E eu te conto, o Luis e o Hugo foram responsáveis pela primeira manifestação real do meu instinto materno, aquele que vc escolhe abrir mão de algumas coisas para ganhar outras. Ihh, cansei de acordar de madrugada e abrir a porta para o Hugo sair – eles dormiam comigo – descer, fazer xixi, beber água e ainda esperá-lo terminar para colocá-lo de novo na minha cama.
Eles despertaram em mim todo o cuidado e zelo que uma mãe precisa ter com seus filhotes, de 4 ou 2 patas. É claro que não dá para comparar as necessidades e a dependência dos filhote de cachorro e de um bebê. Mas o coração transborda de amor e de alegria e por mais que seja difícil equilibrar estas relações, principalmente em que um dos lados precisa de cuidados muito especiais, vale muito a pena, o amor é um multiplicador, não um divisor, você não precisa escolher, basta acolher. O amor e a gratidão que recebo do meu cachorrinho são únicos, assim como os sorrisinhos da minha princesa e a satisfação de vê-la aprendendo a conviver com os diferentes.
* Obs.: Não é regra, mas muitas feiras de filhotes não deixam água e nem comida à vontade aos bichinhos, para que eles façam menos xixi e cocô nas gaiolinhas e fique mais fácil manter a limpeza do espaço. Muitas vezes eles ficam fechadinhos naqueles cercados, com pouquíssimo espaço para correr ou esticar as perninhas. Mas a pior parte é como as mães são tratadas, as cadelinhas que são escolhidas para serem as ‘matrizes’, não têm descanso, engravidando a cada cio, sem os cuidados mínimos, é muito triste de se ver. Por isso, quando você quiser um bichinho, recorra aos abrigos de adoção, a gratidão é eterna!